1 de Dezembro 2021

A celulose bacteriana está a chegar à mesa…

E ainda bem. O mesmo se poderá dizer em relação aos cosméticos, aos têxteis e a tantas outras aplicações industriais. Fernando Dourado e Miguel Gama, cientistas na Universidade do Minho, uniram saberes no domínio da biotecnologia e partiram para um trabalho de investigação que os colocou no caminho da celulose bacteriana, levando-os a criar uma spin-off e a desenvolver uma tecnologia e um produto com tudo para dar certo, económica e sustentavelmente falando. Assim se descreve, em poucas palavras, o SustainableBC. Um projecto cuja história merece ser contada, até pela razão acrescida de ter sido distinguido, como finalista, no Prémio de Empreendedorismo e Inovação Crédito Agrícola 2020

 

projeto SustainableBC tem por missão o desenvolvimento de um processo de produção de celulose bacteriana em larga escala, visando a sua aplicação em várias fileiras (como cosmética, alimentar e têxtil) com desempenho face à celulose vegetal. Esta forma alternativa de produção de celulose tem impacto ao nível do uso da terra e da exploração florestal. Pode, eventualmente, pensar-se numa aventura, bem pensada e fundada, como deve ser a ciência, que se desenvolve no Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho, onde há mais de quinze anos “investigamos e trabalhamos com a celulose bacteriana”, revela Fernando Dourado. Numa fase embrionária, como faz questão de lembrar Miguel Gama, “o nosso interesse era explorar este produto nas aplicações biomédicas”, mas à medida que os dois investigadores iam formando saber sobre o desenvolvimento desta matéria, iam também alimentando expectativas e percebendo todo o potencial para outras aplicações.

A partir daí, reconhece Fernando Dourado, instalou-se a pergunta, quase sempre a espoleta do investigador e do cientista. Como ir mais além? “Fomos tentando identificar as diferentes possibilidades, questionando-nos sobre onde poderíamos chegar tendo nas mãos um produto tão bom e com propriedades fantásticas”. Escudados no sucesso já obtido em aplicações na área da saúde, Dourado e Gama começaram a olhar para o produto do ponto de vista comercial. O passo seguinte, que inicialmente se afigurou como dificuldade, foi desenvolver tecnologia para a produção em larga escala. E claro, a um custo competitivo. O desafio antevia-se exigente no mercado alimentar, onde “o volume de negócios é muito grande, mas as margens são mínimas”, sublinha Miguel Gama. Produzir a custo reduzido seria, assim, imperativo, para ali competir e ser bem-sucedido.

O novo patamar de (auto)exigência levou os responsáveis do projecto a desenvolver, a readequar tecnologia apropriada – transitando de uma escala laboratorial para uma escala-piloto –, à criação do layout, ao desenho técnico de várias unidades produtivas minuciosamente detalhadas, testagem dos equipamentos e, por fim, validação de todas as etapas do processo. E tendo sempre presente, assinala Fernando Dourado, o pressuposto de “aliar a tecnologia à sustentabilidade”. Agora, perguntamos nós: face às soluções que existem no mercado, que argumentos representam, objectivamente, a mais-valia deste projecto?

Miguel Gama responde sem hesitações: “a diversidade de campos de acção”, que se desdobra nas três referências anteriormente assinaladas, percorrendo os sectores alimentar, da cosmética e do têxtil. Entretanto, é tempo de pensar no mercado global, avança a dupla de investigadores da Universidade do Minho, que insiste em destacar dois tópicos-chave. A montante, a tecnologia em si, porque económica e ambientalmente sustentável, permite obter um produto natural; e a jusante, o próprio produto, a celulose bacteriana, cujas propriedades tecnológicas superam as soluções existentes no mercado. O que se propõe do ponto de vista ambiental – configurando, sem dúvida, uma proposta reveladora – é que este produto se apresenta como alternativa à celulose obtida da floresta. “Todo o desenvolvimento da matéria-prima, por exemplo o da produção de algodão, para utilização têxtil, tem, é inegável, um enorme impacto ambiental”, explica Fernando Dourado, relevando a alternativa mais sustentável que é colocar os micro-organismos a assumirem, eles próprios, aquilo que as plantas fazem, obtendo-se, logo no início do processo, uma forma de celulose pura. É a biotecnologia a dar cartas. E a dizer, alto e bom som, que o caminho tem de ser por aqui.

Concluindo, é muito mais vantajoso e rápido produzir celulose pelo processo biotecnológico do que pelas vias tradicionais. É uma opção que encerra ainda desafios, mas que configura uma nova geração de processos tecnológicos mais sustentáveis. A dupla de investigadores teve, claramente, desde o início deste trabalho científico, há mais de quinze anos, a preocupação contínua de responder aos desafios e às necessidades da indústria. Em seguida, a validação do potencial tecnológico da celulose, o que se traduziu, nos últimos cinco a sete anos, em testes de mercado com diferentes empresas para realização de várias provas de conceito. Noutra esfera, há, é claro, toda a necessidade de apresentar um produto acreditado no âmbito das instituições europeias, para que não recaia sobre a indústria o ónus da demonstração. Por outras palavras, a clareza na apresentação de um produto devidamente regulamentado constitui outro irrenunciável argumento – com força de mandamento – do SustainableBC. Na afirmação, bem frisada, de que os produtos sintéticos habitualmente usados em formulações cosméticas poderão ser substituídos, total ou parcialmente, por um produto natural como a celulose bacteriana, sem prejuízo das respectivas propriedades e eficácia. Vejamos o exemplo do sector alimentar e, em concreto, a função dos hidrocolóides, ingredientes habitualmente usados como estabilizantes, espessantes ou gelificantes dos alimentos. A celulose bacteriana pode substituir, até 40%, a carne num hambúrguer. Sem alterar o sabor.

Por todas estas razões, a celulose bacteriana é, no caso deste projecto, fruto de um árduo caminho trilhado por um conjunto de investigadores, de que Fernando Dourado e Miguel Gama são a face mais visível. Nesta fase, as atenções estão especialmente viradas para as parcerias estratégicas, cá dentro e lá fora, sinalizadas no calendário de 2022. SustainableBC. Celulose bacteriana sustentável sob todos os pontos de vista. Investigada, preparada e demonstrada no âmbito da florescente Academia da Universidade do Minho. Para Fernando Dourado e Miguel Gama, ter o projecto como finalista do Prémio Empreendedorismo e Inovação Crédito Agrícola “foi muito importante no que toca à divulgação, ao conhecimento e, obviamente, para captar o interesse de potenciais parceiros com vista à estratégia de implementação desta tecnologia”. Obrigado e ‘BioSucesso’ para o SustainableBC!