1 de Dezembro 2017
Carne portuguesa faz a boa mesa
Visão de longo prazo para a fileira, atenções especiais à evolução da balança comercial, aposta no conhecimento e na informação ao consumidor e defesa das raças autóctones são notas bem sublinhadas no diálogo com Eduardo Mira Cruz, presidente da Direcção da ACBM.
A dependência de Portugal face aos mercados externos no capítulo da produção animal global supera os 50%, dependência que na fileira dos cereais é esmagadora ao situar-se nos 90%, sendo que tudo isto nos torna especialmente vulneráveis face ao exterior. “Em contraponto, eu diria que o facto de vários produtores nacionais estarem actualmente a investir na internacionalização não deixa de ser relevante para os seus negócios e, além disso, afirmativo da qualidade do produto português, mas ao mesmo tempo deve suscitar uma reflexão atenta e cuidada. Desde logo porque exactamente essa aposta nas exportações pode, em certa medida, estar a afectar as necessidades internas de auto-abastecimento”, assinala o presidente da Direcção da ACBM – Associação de Criadores de Bovinos Mertolengos, Eduardo Mira Cruz. E se olharmos a situação que respeita especificamente às DOP [Denominação de Origem Protegida], envolvendo raças autóctones de bovinos como a alentejana, a mertolenga, a barrosã e a cachena, designadamente, a produção nacional não ultrapassa 12% das necessidades de consumo interno, com os restantes 88% a surgirem da importação de carne indiferenciada. “É mais um registo que nos deve fazer pensar. A circunstância de estarmos a fornecer mercados não apenas externos, como fora do contexto da própria União Europeia, com a cadência com que estamos a exportar, de duas… uma: ou o preço da carne vai sofrer um aumento considerável, que o mesmo dizer provavelmente incomportável para muitas famílias, ou então vamos ter problemas de abastecimento porque a carne vai faltar”.
Ao reflectir genericamente sobre a fileira da produção animal, Eduardo Mira Cruz defende que Portugal tem de reivindicar, nos centros de decisão europeus, o investimento numa estratégia que definitivamente olhe para esta realidade com uma visão a longo prazo. “Fazer agricultura ou fazer pecuária não pode cingir-se a sete anos de um quadro comunitário. E por uma razão muito simples: cada quadro comunitário lança-nos sempre novos desafios, muitas vezes dissonantes – para não dizer contrários – dos anteriores. Ora, no nosso caso, sete anos é precisamente quando o bovino está em plena produção, pelo que mudar de lógica e de estratégia produtiva nessa altura é algo impensável”. Para além da necessidade de se consagrarem medidas que garantam uma gestão mais tranquila, o presidente da ACBM propõe a adopção de políticas públicas que confiram importância maior ao investimento nas raças autóctones. “É justo que assim seja. Não estamos a falar de outra coisa que não seja preservar e valorizar um património genético que é único – e que é português. Tudo o que fizermos nesse sentido dará os seus frutos. Até do ponto de vista da fixação das populações no mundo rural. Não tenhamos, a esse propósito, a mínima dúvida”.
Numa altura em que tanto se fala de conhecimento como factor crítico de desenvolvimento, Eduardo Mira Cruz considera ser bem-vindo tudo quanto signifique esclarecer as pessoas, o cidadão comum, sobre “coisas mal explicadas e, por isso, mal percepcionadas”. Por exemplo, a razão de ser dos apoios à agricultura. É que se não existissem esses apoios, “o rendimento das famílias não chegava para comprar muitos dos bens alimentares; ou seja, se retirássemos à produção todos os apoios que vêm da União Europeia, a mesma carne que hoje custa 15 euros o quilo passaria muito provavelmente a custar… 60”. Ainda nesta vertente do conhecimento, o presidente da ACBM não hesita em dizer que os portugueses têm de aprender a comer carne de vaca, com um critério mais apontado à qualidade e menos à quantidade. “A qualidade tem de ser o primeiro critério. Na nossa Associação, já aconteceu perdermos algumas oportunidades de negócio, mas há imperativos na vida que falam mais alto. Se pensarmos e, pior ainda, se agirmos de outra forma, sacrificando a qualidade do produto, estamos inevitavelmente a hipotecar o futuro. Talvez isso explique, no caso da carne mertolenga, o facto de termos sempre crescido em contraciclo. Sinal de que o consumidor conhece e renconhece a qualidade dos nossos produtos”.