Primeiro medalhado de Portugal em mundiais de natação, é bicampeão do mundo em título nos 50 e 100 metros mariposa. Tem o impressionante registo de dezasseis recordes nacionais absolutos. Antes de chegar a sénior, sagrou-se tricampeão mundial júnior (50 livres e 50 e 100 mariposa) e obteve o recorde do mundo júnior nos 50 mariposa. O seu palmarés é uma sucessão de títulos, proezas, conquistas. Fenómeno, melhor nadador português de sempre, portentoso, ‘miúdo-maravilha’ – os adjectivos sucedem-se no espaço mediático. Acima de tudo, é um caso único de superação. Nas piscinas e na vida. Aos 19 anos, com tanto caminho já percorrido, eis Diogo Ribeiro. Na primeira pessoa e em exclusivo.
Apesar dos momentos tão difíceis por que já passaste, o que fica de bom da tua infância?
Ficam os sonhos de uma criança como todas as outras, as recordações da escola e de como era bom jogar à bola no recreio ou de ir nadar na piscina do colégio em Coimbra. Aconteceu que, ao mesmo tempo, andava no futebol, na natação e no basquete. Até que tive de escolher. Optei só pela natação, muito motivado pela minha treinadora, que me ensinou a nadar mariposa. E isso foi marcante, fez de mim o que sou hoje.
Que lição guardas do acidente de mota que podia, entre outras consequências, ter significado o ponto final precoce da tua carreira?
Mostrou-me a realidade, que o mundo não é cor-de-rosa, que a vida tem de ser vivida, com certeza que sim, mas ao mesmo tempo há responsabilidades a nível pessoal e profissional. Sem dúvida que o acidente me tornou mais forte psicologicamente, acho que foi um mal que veio por bem, porque me abriu os olhos.
Fukuoka 2023 (vice-campeão mundial nos 50 metros mariposa), Doha 2024 (campeão mundial nos 100 e 50 metros mariposa).
O que aconteceu e marcou definitivamente a tua evolução entre o Japão e o Catar?
Cresci, fiquei mais forte fisicamente, os treinos correram bem, a preparação também e acertámos tanto numa como noutra competição. Ainda assim, acho que estava mais preparado para Doha, quando fui campeão do mundo. Porque não tive paragens, não estive doente, não tive nada. Treinei bem. Já em Fukuoka, tinha estado parado com COVID-19, um mês antes da competição. Mas, para as minhas expectativas, acabou por correr bastante bem. No fundo, faz toda a diferença não ter estado doente e conseguir cumprir integralmente o programa de treinos. E quando a cabeça está pronta… nada pode parar o corpo.
Sempre se disse que a mariposa era uma especialidade avessa aos nadadores portugueses, coisa para ‘gigantes’ de dois metros, americanos… australianos… Do alto dos teus 1,85 metros, a resposta que tens dado em competição desmonta, por completo, essa ideia feita. É aqui, na mariposa, que te sentes realmente como peixe na água?
Esforcei-me bastante para aprender mariposa mais cedo do que é normalmente ensinado. Fui privilegiado porque a minha treinadora viu que eu queria mesmo aprender. Aprendi e demonstrei ter talento para esta especialidade, logo, juntaram-se as duas coisas; e em vez de isso acontecer aos 20 anos, o que era considerado bom para idade, aos 16 foi melhor ainda. Isso dos portugueses não serem bons na mariposa... se os outros conseguem, nós também conseguimos. Temos de pensar e acreditar mais, muito mais em nós. A questão não tem a ver com a altura, mas sim com a mentalidade e com o desbloquear da peça-chave que é a motivação. Falando por mim, o acidente tornou-me mais forte psicologicamente e eu sempre acreditei que assim iria acontecer, mesmo nos momentos mais difíceis da recuperação. Acreditei que me tornaria diferente para melhor e até os meus amigos concordam que assim foi. Insisto neste ponto: os portugueses devem acreditar mais em si próprios.
O que te inspira e motiva e te faz superar?
A maior motivação, o que verdadeiramente me inspira é pensar sempre no meu pai. Faleceu quando eu tinha quatro anos. Eu sei o que ele lutou toda a sua vida. Ele também era atleta, no seu caso, de andebol. Marcava metade dos golos da equipa, não era um atleta qualquer. Ele é a minha maior inspiração, a minha maior força para atingir grandes patamares no meu desporto. Quando tenho alguma dificuldade ou algum obstáculo à minha frente, penso sempre nele. E digo para mim que não vou desistir porque estou a lutar também por ele, pela sua memória, pelo seu exemplo; a lutar, no limite, para eu ter uma vida melhor – eu e a minha família. Eu diria que os acidentes, os percalços que já tive e as coisas menos boas que me aconteceram são o que me faz superar e voltar sempre mais forte.
É verdade que tens uns calções da sorte?
É verdade. Aconteceu que nas duas provas em que fui campeão do mundo usei o mesmo fato. Normalmente, em competições importantes (mundiais, europeus, jogos olímpicos) usamos um fato novo em cada prova. Quando fui campeão do mundo nos 50 metros mariposa, guardei esse fato e fui usando outros até chegar à final dos 100 [metros] mariposa. Aí chegado, a minha namorada disse-me para voltar a usar o mesmo. Assim fiz, mais a mais pensando nos muitos atletas, grandes nomes, que dizem que à segunda utilização os fatos estão ainda melhores, com mais elasticidade. Para dizer a verdade, senti-me muito melhor na viragem, ao dar a volta dos 100 [metros] mariposa. Basicamente foi isto, o mesmo fato ajudou, mas não fez tudo sozinho… [risos]
Cumpridas as mil e uma exigências que se colocam a um nadador de elite ao serviço do Sport Lisboa e Benfica e da Selecção Nacional, o que não deixas (mesmo) de fazer quando estás de ‘folga’?...
Quando estou de folga, gosto de passear, estar com a família e a minha namorada. Se for no Verão – quase sempre é no Verão, porque é o fim da época – gosto de ir à praia, estar com os amigos, divertir-me, ouvir uma música na coluna à beira da piscina, dar uns toques na bola de futebol, aproveitar o tempo livre que não temos durante a época, ir ao cinema e ler. Passa por aí. Mas, estar com os mais próximos é o mais importante para mim.
Quando olhas para a frente, para os grandes desafios que te esperam na competição e na vida, que sonhos tens?
Para mim, na linha de outros atletas, o sonho é ganhar os Jogos Olímpicos. Neste momento, sinto que já não é só um sonho, é algo bastante possível, sou o campeão mundial em título e tenho ainda uma longa carreira pela frente. Vou lutar por este objectivo que sinto realmente poder alcançar, tanto para mim como para os portugueses e para os benfiquistas. Nada me deixa mais orgulhoso que atingir resultados desta grandeza e continuar a trabalhar com a mesma humildade e alegrar a minha família, a namorada, os amigos e toda a gente que me apoia ao longo da época. Às vezes, não é fácil aturar-me… [sorriso]
Nós, atletas, passamos por fases nem sempre as melhores, seja psicologicamente ou fisicamente. E são essas pessoas que lá estão para nos apoiar, incluindo as pessoas do clube e os adeptos, a quem só tenho a agradecer (aos do Benfica principalmente), pois têm sido fenomenais. A pensar em todos, todos os portugueses, o maior sonho que eu tenho neste momento é atingir o ouro olímpico. Vou continuar a trabalhar como tenho trabalhado, sabendo que há coisas que vão correr melhor e outras não tão bem. O segredo é corrigir, voltar e procurar não errar outra vez. E tentar melhorar os meus tempos – melhorando os meus tempos, terei mais possibilidades de chegar ao topo.