1 de Dezembro 2024

Quem espera sempre alcança

O título, aparentemente cingido ao ditado popular, ganha outra dimensão e sentido ao visitarmos o recém-inaugurado Mosteiro Trapista de Santa Mãe da Igreja, em Palaçoulo, Trás-os-Montes. Um lugar de esperança – e já vamos perceber porquê. Mas também um espaço aberto à espiritualidade de quem, religioso ou não, procura o silêncio absoluto de um retiro ou de uma simples paragem pontual. Para depois retomarmos, com outra leveza de espírito, o caminho que temos de continuar.

Estamos em Alacão, a escassos três quilómetros da aldeia transmontana de Palaçoulo, ou Palaçuolo, como se diz e escreve em mirandês, terras nordestinas, concelho de Miranda do Douro. À nossa frente, ergue-se o Mosteiro Trapista de Santa Mãe da Igreja*, inaugurado em Outubro.

Onde outrora a paisagem de piornos e esteva era campo aberto ao vento, a coelhos e javalis, como nos lembra António Cangueiro, empresário e escritor, recorta-se hoje uma área de 30 hectares, cedidos por diferentes proprietários, incluindo a Paróquia de São Miguel de Palaçoulo, para aqui pontificar um “oásis de silêncio, que é, ao mesmo tempo, uma palavra para o mundo”. As palavras são do Arcebispo de Braga, e foram proferidas na inauguração do Mosteiro. Nota intercalar para dizer que foi precisamente D. José Cordeiro quem, em 2016, então Bispo de Bragança-Miranda, tivera a iniciativa de convidar as monjas italianas da Ordem Cisterciense da Estrita Observância (Trapista) de Vitorchiano, perto de Roma, a estender a sua presença internacional a Portugal e, concretamente, a Trás-os-Montes. Convite feito, convite aceite por ocasião do primeiro centenário das aparições em Fátima. Sete anos depois, temos obra feita.

Apto a acolher até 30 religiosas desta comunidade dedicada à vida contemplativa, o Mosteiro reúne nesta fase 13 monjas trapistas, sendo 10 italianas e três portuguesas.

Neste lugar de espiritualidade e oração, somos recebidos pela Irmã Deborah, italiana que, a exemplo das suas concidadãs agora a viver em Alacão, é proveniente do Mosteiro Trapista de Nossa Senhora de São José, em Vitorchiano. Antes de uma visita guiada ao Mosteiro, sentamo-nos para ouvir a nossa anfitriã. Em breve troca de palavras, a Irmã Deborah sinaliza pontos-chave que orientam a vida das monjas trapistas e a sua observância no contexto da Ordem e da Comunidade. Explica-nos, de modo simples e muito nítido, a origem francesa das monjas trapistas (para conferir em www.trapistaspalacoulo.pt) e o que significa viver à luz da Regra de São Bento – Regula Benedicti, de São Bento de Núrcia, fundador da Ordem dos Beneditinos e precursor da vida monástica: uma demanda de todos os dias, na procura do justo equilíbrio entre a oração e o trabalho. Acrescem duas virtudes essenciais, a obediência a Deus e a humildade que decorre dessa aceitação sem reservas. Equilíbrio significa, ainda, comedimento e serenidade constantes, tanto no pensamento como na acção.

A vida no Mosteiro Trapista de Santa Mãe da Igreja renova-se a cada dia dentro dos mesmos pressupostos. Invariavelmente, as monjas levantam-se às 3h40 e, vinte minutos depois, vão à Igreja, para lá voltarem mais seis vezes durante o dia.

Quando, instintivamente, pensamos em mosteiros, desde logo nos chega ao pensamento uma obra marcada pelo tempo. Pois bem, neste caso temos obra nova, um complexo arquitectónico inspirado na melhor tradição dos mosteiros cistercienses (entre os mais relevantes, o Mosteiro de Alcobaça), com uma planta quadrada e um claustro central, numa dimensão estética conciliada com os novos tempos, visível no traço, na luz e nos materiais utilizados.

Espaço aberto ao exterior, a começar pela sua Igreja, o Mosteiro é servido de uma casa de acolhimento para visitantes que procuram um espaço e um tempo de retiro, funcionando igualmente como hospedagem pontual para turistas. As receitas desta comunidade de monjas trapistas também passam por aqui, além dos proventos esperados com a vinha e o amendoal que estão a despontar. Produtos que, em breve, vão valorizar a oferta já existente na Loja, onde podemos comprar cabazes diversos, diferentes iguarias (contam-se, para já, 17 referências, das compotas aos biscoitos), e ainda livros.

No momento em que nos despedimos, muito gratos pela visita guiada, a Irmã Deborah olha a Natureza em volta e, à nossa pergunta sobre o que lhe vai na alma neste lugar distante da sua Itália, tão profundamente transmontano e mirandês, responde com um sorriso inteiro e uma palavra eloquente que faz a síntese do diálogo que nos proporcionou: “Esperança”. A esperança, diríamos nós, num futuro bem-sucedido para a comunidade de monjas trapistas e para esta nova referência do turismo espiritual em Portugal.

Antes de seguirmos viagem, retomamos, por instantes, as sugestões de António Cangueiro para contemplar o horizonte. Do alto do Mosteiro Trapista de Santa Mãe da Igreja vemos relevar, do lado português, o Castelo de Algoso e a Senhora da Serra, entre outras referências. E, já a espreitar a província espanhola de Zamora, as Serras de Segundera e Porto. Sinais evidentes de que as monjas trapistas, além da espiritualidade, têm por aqui boas referências terrenas. Seguramente.


*Cliente CA Douro e Sabor