1 de Dezembro 2024

Ele há açúcares e... açúcares

Converter açúcares calóricos, como a sacarose, em açúcares de valor funcional elevado é a ideia-chave do projeto cLabel+, que, para o concretizar, contou com o apoio do Centro de Engenharia Biológica (CEB) da Universidade do Minho. O segredo está no recurso a enzimas que agem in situ, preservando as características dos alimentos originais, sem alterar as linhas de produção. A expectativa é “democratizar” o acesso a alimentos mais saudáveis, promovendo escolhas alimentares sem pesar na carteira do consumidor.

“Como os prebióticos são geralmente adicionados aos alimentos, encarecendo-os e alterando as suas propriedades, o método proposto traz vantagens económicas e tecnológicas ao utilizar alimentos familiares do consumidor”, explica Clarisse Nobre, investigadora responsável do projecto.

Resulta desta inovação um impacto relevante na redução dos custos associados a estes produtos. A expectativa é que isso “democratize” o acesso a alimentos mais saudáveis, promovendo escolhas alimentares nesse pressuposto sem aumentar os encargos para o consumidor.

Entre as razões que motivaram a investigação distinguida no âmbito do Prémio Crédito Agrícola 2023, está uma questão que continua no topo das preocupações das autoridades de saúde à escala universal: a obesidade. Só em Portugal, as altas taxas de obesidade infantil (31,9% têm peso excessivo, sendo 15% obesas) estão acima da média da Região Europeia da Organização Mundial da Saúde (OMS). O cenário é ainda mais grave junto de 68% da população adulta portuguesa.

A OMS recomenda limitar o consumo diário de açúcares livres a menos de 10% da ingestão calórica total, idealmente abaixo de 5%, ou 25 gramas por dia, para evitar efeitos adversos na saúde.

Esta realidade impulsionou o CEB a desenvolver soluções susceptíveis de ajudar a indústria alimentar a criar produtos mais saudáveis e com menor teor de açúcares. Acontece que a estratégia adoptada permite a aplicação de processos enzimáticos directamente em alimentos já produzidos, evitando a necessidade de alterações nas linhas de produção. Assim, é possível transformar açúcares presentes nos alimentos em compostos precursores de efeitos positivos na saúde, mantendo a aceitação dos consumidores e facilitando a introdução de tais produtos no mercado.

Ao espreitarmos o cronograma do projecto, desde logo destacamos que a optimização do processo foi concluída com sucesso, permitindo a produção de prebióticos em preparações de morango em aproximadamente uma hora. “Mais recentemente, trabalhámos com a alfarroba, utilizando enzimas e fermentações microbianas para converter a sacarose em prebióticos”, avança Clarisse Nobre. De acordo com a investigadora, as condições de extracção foram aprimoradas para maximizar o rendimento de açúcares e compostos bioativos, resultando numa solução eficiente e sustentável.

Vale ressaltar que Portugal é o segundo maior produtor mundial de alfarroba, superado apenas pela Espanha. A principal região produtora no nosso país é o Algarve, com uma expansão crescente para o Alentejo nos últimos anos. Actualmente, apesar das variações, estamos já acima da fasquia das 40 mil toneladas, o que significa a afirmação de Portugal entre os exportadores de referência.

“Entrámos, agora, na fase de escalonamento da produção em biorreactores”, esclarece a investigadora do CEB, dando nota de que, no caso das preparações de morango, “conseguimos reduzir o conteúdo de sacarose em 85%, diminuindo o valor calórico em 19%, o que demonstra a eficácia do processo. Com a alfarroba, obtivemos avanços importantes, aumentando significativamente a produtividade de prebióticos usando sub-produtos agrícolas como melaços, além da polpa de alfarroba”.

A próxima etapa envolve a utilização da mesma estratégia noutros alimentos – como gelados, cereais de pequeno-almoço e até mesmo em borras de café – projectos, esses, que estão já em desenvolvimento visando oferecer soluções sustentáveis à indústria alimentar portuguesa.

“A integração dos referidos prebióticos tem um grande potencial para introduzir produtos funcionais, preservando as propriedades antioxidantes e fenólicas naturais de frutas e vegetais, que são benéficas para a saúde, sem comprometer as características sensoriais”, argumenta Clarisse Nobre.

O reconhecimento do trabalho feito, via Prémio Empreendedorismo e Inovação do Crédito Agrícola em 2023, através da distinção Born from Knowledge (BfK) da ANI, representa “uma validação importante do trabalho que temos realizado ao longo de mais de 15 anos no desenvolvimento de alimentos funcionais e na investigação da relação entre prebióticos e saúde”, frisa a investigadora, certa de que este reconhecimento destaca a relevância do projecto, incentiva a continuidade da pesquisa e facilita a transferência da tecnologia para a produção industrial. “Além disso, proporciona visibilidade, fortalece as nossas parcerias e abre portas para colaborações estratégicas”, conclui Clarisse Nobre.

É isso mesmo: o cLabel+ tem tudo para ser bem-sucedido.