11 de Julho 2018

Um copo de leite, sff!

Portugal representa cerca de 1,3% da produção europeia, e no período de referência estavam registados 5.017 produtores de leite, com um efectivo de 244 mil vacas leiteiras. A produção de leite nacional, em 2017, correspondeu a 689,1 milhões de euros, o que equivale a 12% do valor da agricultura e 28% do valor da produção animal. Os números são da CONFAGRI, Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal, que integra a FENALAC, Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite. O presidente de ambas as organizações, Manuel dos Santos Gomes, sublinha que “Portugal é um país com um território 28 diminuto no contexto da União Europeia, cujas condições naturais (clima e solo) são maioritariamente mediterrânicas, as quais não podemos considerar como óptimas para a produção de leite, mais consentânea com as características do Norte da Europa. Ainda assim, fruto da capacidade de trabalho e de organização dos produtores de leite e das suas Cooperativas, foi possível construir, mais do que um sector produtivo, uma autêntica fileira de grande importância no panorama económico e social nacional”.

Em relação às consequências geradas pelo fim das quotas leiteiras registado em 2015, designadamente no que toca à evolução dos preços, o responsável lembra que as quotas leiteiras foram implementadas em Portugal em 1991 “e permitiram estabelecer um quadro de previsibilidade e segurança para os fortes investimentos que foram necessários visando a restruturação do sector, o aumento da produção e a modernização das explorações. Por um lado, a quota nacional foi então negociada de forma a permitir a expansão da produção e, por outro lado, o próprio regime limitava a concorrência externa, tanto mais que a nossa vizinha Espanha era deficitária em matéria de abastecimento de leite”. Assim, a eliminação das quotas leiteiras em 2015 afigurava-se como “muito gravosa para o sector, sendo certo que os efeitos não foram tão dramáticos como se podia antever, uma vez que as exportações da UE absorveram grande parte da produção adicional europeia. Com efeito, foi bastante mais negativa a situação de crise interna em Portugal vivida nesse período e os efeitos diferidos do embargo russo aos produtos lácteos da UE”. Entretanto, no espaço mediático continuam a ter ressonância notícias alertando para o facto de, em 2017, Portugal ter perdido um produtor de leite a cada dia útil. 

“O leite tem sido alvo de um conjunto de mitos e inverdades acerca da sua utilização na alimentação humana, cujos efeitos foram muito nefastos. No entanto, a partir de 2016 é evidente um movimento de recuperação do consumo de leite em Portugal, o qual temos confiança se reforçará nos próximos anos”

“Portugal tem este ano cerca de menos 200 produtores do que tinha o ano passado. Não podemos confundir “O leite tem sido alvo de um conjunto de mitos e inverdades acerca da sua utilização na alimentação humana, cujos efeitos foram muito nefastos. No entanto, a partir de 2016 é evidente um movimento de recuperação do consumo de leite em Portugal, o qual temos confiança se reforçará nos próximos anos” ajustamento estrutural com dificuldades conjunturais, tanto mais que a produção total do país não decresceu, existindo mesmo apetência para crescimento, o qual tem sido limitado por via da contratação da compra de leite. Obviamente que a saída de produtores do sector é sempre de lamentar, mas tal tem sido acompanhado de um processo de crescimento dos restantes, como aliás acontece em toda a UE. 

 É bom recordar que há 20 anos existiam em Portugal cerca de 40 mil produtores e que o processo de reestruturação da produção foi indispensável para o aumento da competitividade”, frisa Manuel dos Santos Gomes. A circunstância de Portugal ser um dos países da UE com um dos mais baixos preços pagos ao produtor é vista por vários observadores como condicionantes do futuro da fileira. “O preço pago mensalmente ao produtor não reflecte a totalidade da remuneração e dos serviços prestados aos produtores.

Ainda assim, concordámos com a conveniência de que o rendimento dos produtores deveria ser reforçado. Não podemos esquecer que o nosso mercado interno lácteo prima por preços ao consumidor muito baixos, nomeadamente no segmento do leite líquido (dos mais baixos de toda a UE), fruto da estratégia da distribuição de utilizar estes produtos na guerra comercial entre cadeias para atrair consumidores às lojas. Neste sentido, falta convencer a distribuição de que o trabalho associado à produção de leite, os cuidados em matéria de qualidade ao longo da fileira e o valor nutricional do leite merecem uma remuneração mais adequada, nomeadamente na criação de melhores condições ao nível da recompensa do produtor”.

O Governo, através do Secretário de Estado da Agricultura e Alimentação, declarou recentemente que o sector do leite tem de suprir “a necessidade de reforço da posição da produção na cadeia de valor agroalimentar”, defendendo a “aposta na inovação e no conhecimento ao nível dos processos, dos produtos e formas de comercialização, bem como o aumento do consumo do leite”. Manuel dos Santos Gomes considera que o reforço da posição da produção na cadeia de valor efectivamente resulta de vários factores, desde logo uma posição negocial mais equilibrada com a Grande Distribuição, algo que se faz (também) por via legislativa, como aconteceu em Portugal através da regulação das Práticas Comerciais Desleais. 

“Falta convencer a distribuição de que o trabalho associado à produção de leite, os cuidados em matéria de qualidade ao longo da fileira e o valor nutricional do leite merecem uma remuneração mais adequada, nomeadamente na criação de melhores condições ao nível da recompensa do produtor” 

Tudo indica que na UE será adoptada uma legislação harmonizada dessa matéria para o espaço europeu, algo que se traduzirá num avanço significativo para uma relação mais equilibrada entre parceiros comerciais”. No que respeita ao aumento do consumo do leite, “a FENALAC está a levar a cabo uma campanha de promoção, apoiada por fundos comunitários e que durará até 2020. De referir que o leite tem sido alvo de um conjunto de mitos e inverdades acerca da sua utilização na alimentação humana, cujos efeitos foram muito nefastos. No entanto, a partir de 2016 é evidente um movimento de recuperação do consumo de leite em Portugal, o qual temos confiança se reforçará nos próximos anos”. Mesmo perante os constrangimentos de um cenário negocial a 28, a questão que se coloca é o que pode fazer Portugal para revitalizar o sector e voltar a atrair jovens produtores. “Como qualquer outra actividade económica, este sector necessita constantemente do rejuvenescimento do seu tecido empresarial. Tendo em conta os elevadíssimos investimentos necessários para a instalação de uma exploração leiteira, incluindo obviamente a terra para cultivo, a entrada de jovens ocorre essencialmente por transmissão familiar. Para que tal seja uma realidade, é indispensável que os instrumentos de desenvolvimento rural privilegiem o apoio ao investimento, como um factor decisivo da competitividade da fileira leiteira”, defende Manuel dos Santos Gomes.