9 de Abril 2018

O futuro semeado em bom português

A ideia de que as boas práticas em Portugal são implementadas só muito depois de lançadas noutros países é, bem vistas as coisas, uma percepção pouco fiável, tantas vezes contraposta pela realidade dos factos. Vamos ao ponto: quando a Comissão Europeia promoveu as negociações que resultaram no novo Quadro Comunitário de Apoio (Portugal 2020), as recomendações em matéria de investigação agrícola foram muito claras: investigadores, produtores e indústria têm de actuar em parceria, num trabalho articulado que resulte em inovação, sustentabilidade ambiental, menores custos de produção e maior produtividade. Por outras palavras, o conceito bottom-up convoca os stakeholders (produção e indústria) a identificar os problemas, desafiando os investigadores a encontrar soluções. Pois bem, o Programa Nacional de Melhoramento Genético do Arroz é absolutamente exemplar nesse contexto– ao arrancar em 2003, antecipou a larga distância aquilo que só muito mais tarde seria a determinação europeia. Entretanto, em 2014 surgia o LUSARROZ, projecto agregando o COTArroz – Centro Operativo e Tecnológico do Arroz, a BENAGRO – Cooperativa Agrícola de Benavente, o INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária e a APARROZ – Agrupamento de Produtores de Arroz do Vale do Sado. Uma parceria que permitiu ao referido programa de melhoramento genético a criação de ensaios de adaptação, contribuindo assim para o processo de selecção das futuras variedades de arroz portuguesas. Objectivo final: disponibilizar aos agricultores sementes certificadas, cuja tipologia esteja adaptada às condições edafoclimáticas do país.

Distinguido com o Prémio Empreendedorismo e Inovação do Crédito Agrícola 2017, na categoria “Projecto de Elevado Potencial”, e com o Prémio Vida Rural 2016, na categoria “Investigação e Desenvolvimento que marca”, o LUSARROZ entrou já em velocidade de cruzeiro, tendo por suporte obra feita: Ceres e Maçarico, as duas novas variedades portuguesas de arroz que se prevê resultarem em sementes disponíveis para os produtores já em 2019.

Com encontro marcado no COTArroz, nos campos de Paúl de Magos, fomos esmiuçar a história, saber novidades e antecipar os próximos passos em torno do projecto LUSARROZ. “Para a produção e a indústria, os resultados fantásticos do trabalho desenvolvido em parceria é a prova tangível de que este foi um casamento feliz. Com o fim das variedades portuguesas registada há trinta anos atrás, a fileira tem vivido na dependência total de sementes importadas, especialmente de Itália e França, o que onera os custos de produção e condiciona os níveis de produtividade. Com o regresso a variedades nacionais, a lógica invertese e os agricultores agradecem, vendo abrirem-se novos horizontes para o futuro das culturas do arroz”, sublinha Joaquim Cabeça, presidente da AOP – Associação de Orizicultores de Portugal, director da BENAGRO e, por inerência, director do COTArroz.

“O balanço de quinze anos de trabalho é muito compensador”, assinala Ana Sofia Almeida, investigadora do INIAV, com competências na área do melhoramento genético dos cereais. “No contexto da variabilidade genética e da recombinação de genes, trabalhámos durante cerca de seis anos nas tarefas de selecção e triagem, que precederam os ensaios em ambiente agricultor. Estamos no Mondego, com a DRAP [Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro], no Tejo com o COTArroz, e no Sado, com a APArroz [Agrupamento de Produtores de Arroz do Vale do Sado]. Nos três cenários, testamos a resistência a doenças, a produtividade e a qualidade”, acrescenta Ana Sofia Almeida, indicando que está a decorrer a fase de avaliação de semente de pré-base, que antecede, após decisão dos serviços competentes, a inscrição no Catálogo Nacional de Variedades. “Só as sementes que constam desta selecção oficial poderão ser utilizadas pelos agricultores”, esclarece a investigadora do INIAV.

Considerando a realidade portuguesa e, concretamente, as culturas de arroz no Mondego, Tejo e Sado, o programa de melhoramento genético, embora incidindo na obtenção das novas variedades – Ceres (carolino da sub-espécie japónica) e Maçarico (agulha da sub-espécie índica) –, vem trabalhando todas as sub-espécies, incluindo os chamados arrozes médios, especialmente associados aos risotos. Ao longo da conversa, percebemos que estamos entre os verdadeiros entendidos na matéria. E por isso mesmo, o que nos move é ouvir, tomar nota – aprender. Se já sabíamos que o carolino é o arroz eleito pela melhor mesa portuguesa e pelos chefs mais cotados, ficámos a saber que essa escolha tem a sua ciência: “As móleculas do carolino são ramificadas e não lineares, como sucede com as outras espécies. E isso faz toda a diferença. O comportamento à cozedura resulta num caldo que vai absorver, como nenhum outro arroz, os sabores dos ingredientes que adicionamos –o tomate, o bacalhau, o marisco, seja o que for”, explica-nos a secretária-geral do COTArroz, Paula Marques. E nós ficamos deliciados com a explicação, cientes de que o projecto LUSARROZ é um saboroso exemplo que Portugal tem para dar ao mundo. Um exemplo de cooperação notável pela inteligente e dinâmica conjugação de três palavras-chave: investigação-produção-indústria.